sexta-feira, 20 de abril de 2012

Atividade sobre a Comuna de Paris


No dia 13 de abril, o Coletivo Mundo Ácrata realizou uma palestra com Alexandre Samis, membro da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), doutor em História pela UFF, professor do Colégio Pedro II no Rio, conhecido pesquisador do anarquismo e autor de alguns dos mais instigantes livros sobre o assunto[1] . O tema da palestra foi a Comuna de Paris, sua pesquisa atual que já está esboçada nas quase quatrocentas páginas do recente livro Negras Tormentas: federalismo e internacionalismo na Comuna de Paris[2].
Para quem desconhece completamente a Comuna de Paris: foi um governo autogestionário e descentralizado em 1871 na França durante a guerra contra a Alemanha. Infelizmente a experiência operária socialista durou somente 40 dias, ou seja, até quando as tropas de Thiers, o presidente da Terceira República francesa, conseguiram penetrar dentro da comuna e promover a execução de cerca de 20 mil pessoas, além de torturar e prender outras 40 mil. 
A exposição de Samis destacou o contexto histórico que gestou a possibilidade da Comuna. Desde Proudhon, os movimentos sociais revestiram-se das ideias federalistas de organização social e política. O contato dos mutualistas proudhonianos com os coletivistas (sobretudo, Varlin e Bakunin) através dos encontros da Associação Internacional dos Trabalhadores a partir da primeira assembleia em 1866, que reunia os delegados de diferentes federações socialistas, proporcionou o florescimento de um socialismo antiautoritário em contraposição ao centralismo dos projetos sociais blanquistas e marxistas.
Podemos dizer que foi através desta troca de experiência e em contraposição ao socialismo de Estado que pela primeira vez um grupo de ativistas se assumiu anarquista, embora a anarquia ainda fosse uma categorização pejorativa usada principalmente por Marx e Engels para atacar àqueles que contrapunham as propostas de Estado de transição, de governo revolucionário e da constituição de partido político. 
Varlin era membro da guarda nacional parisiense e sua participação foi destacada por mobilizar forças dentro desta instituição militar, que a partir de certo momento, expulsou os membros da prefeitura de Paris e tomou a administração pública pelo Comitê Central da Guarda. A maioria da tropa da guarda nacional era composta por operários e pequenos burgueses, socialistas e jacobinos. O povo com as armas na mão e a pátria se acovardando de maneira medíocre na guerra tinha agora a possibilidade de fundar um novo governo. Quando Thiers percebeu esse jogo de forças contrário a sua autoridade determinou a contenção do material bélico em surdina na madrugada, mas já era tarde, a massa agora estava no controle. Para Kropotkin: “a derrubada do poder central ocorreu, mesmo sem encenação comum de uma revolução: naquele dia, não houve tiros de fuzil nem rios de sangue derramado atrás das barricadas. Os governantes eclipsaram-se diante do povo armado que descera à rua. [...] Paris, mal tendo derramado uma gota de sangue dos seus filhos, encontrou-se livre da imundície que empesteava a grande cidade. No entanto, a revolução que acabava de realizar-se, abria uma nova era na série das revoluções, pelas quais os povos caminhavam da escravidão à liberdade. Sob o nome de Comuna de Paris, nasceu uma nova ideia, destinada a tornar-se o ponto de partida para as futuras revoluções” (2005, p. 101). 
Assim, as ideias federalistas dos internacionalistas foram postas em prática no novo governo. Houve a coletivização dos bens de produção, a redução da jornada de trabalho, a educação se tornou gratuita, as imagens clericais e as estátuas de políticos foram destruídas, nas igrejas passaram a funcionar grupos de discussão em vez de cultos, os professores passaram a ter o melhor salário das profissões, as eleições eram baseadas na democracia direta, uma nova bandeira foi assumida (agora vermelha), entre outras medidas. 
Mesmo as mulheres ainda não tendo direito ao voto, resquício do machismo naturalizado da época, seus papéis na sociedade foram valorizados, inclusive, muitas faziam parte da guarda revolucionária e discutiam de igual para igual com os homens. A mais conhecida, sem dúvida, foi Louise Michel, a ativista reivindicada como símbolo por diferentes vertentes da esquerda contemporânea e ícone do feminismo. 
Entretanto, após tentativas frustradas pelos soldados de Thiers (“refugiado” no Palácio de Versalhes) em retomar para Paris, firmou-se um acordo de paz com a Alemanha a fim de derrotar a Comuna. A Alemanha libertou prisioneiros de guerra para atuarem na derrubada do autogoverno parisiense. A Comuna nada pode fazer diante do enorme contingente de soldados que marchavam rumo a sua destruição. Depois de sua execução brutal, Varlin se tornou um mártir dos movimentos socialistas europeus. O sonho da Comuna de Paris havia acabado, mas ficou (e ficará) no pensamento de milhares de operários a possibilidade, agora experimentada, do surgimento outro regime de autogestão antiestatista, como afirmará Bakunin: “Sou partidário da Comuna de Paris que, por ter sido massacrada, sufocada em sangue pelos carrascos da reação monárquica e clerical, tornou-se mais viva, mais poderosa na imaginação e no coração do proletariado na Europa; sou seu partidário, sobretudo porque ela foi uma negação audaciosa, bem pronunciada do Estado”(2006, p. 139). 
Sabemos que atualmente a Comuna tem sido motivo de frequente disputa entre as vertentes de esquerda na tentativa de sacralizar um mito histórico em favor de suas propagandas ideológicas, entretanto, Samis, que é assumidamente anarquista, fez questão de destacar que não é possível afirmar que a Comuna de Paris foi uma experiência de sociedade anarquista, tampouco marxista, ou de qualquer outra tendência hegemônica, mas que houve sim uma organização social libertária e plural, e mesmo que a maioria dos participantes optasse pelo centralismo, a minoria federalista conseguiu convencê-los pela adoção da descentralização política. Neste sentido, Bakunin ressaltará, talvez, sobre a efemeridade da instituição: “É preciso reconhecer, a maioria dos membros da comuna não eram propriamente socialistas e, se agiram como tal, é que foram invencivelmente levados pela força irresistível das coisas, pela natureza de seu meio, pelas necessidades de sua posição, e não pela íntima convicção” (2006, p. 140).
Apesar de ter sido realizada em uma noite de sexta feira, a palestra contou com uma plateia expressiva de professores, alunos e militantes, que demonstraram bastante interesse pelo tema em questão. Para além de estreitar os laços com militantes de outras organizações anarquistas, a atividade sobre a Comuna de Paris constituiu-se num grande estímulo para que hoje nós possamos dar a continuidade ao legado daqueles que nos antecederam na luta por uma sociedade livre e igualitária.
Não se trata, como colocou o próprio Alexandre durante a palestra de extrair da Comuna lições de caráter absoluto, aplicáveis a outros tempos e sociedades, mecanicamente, pois eventos históricos não se repetem e que as sociedades onde eles tiveram lugar e o tempo no qual aconteceram são únicos. Todavia, estudar estas experiências é fundamental, uma vez que elas podem revelar as formas através das quais os indivíduos, grupos e mesmo uma cidade inteira, como foi o caso da Comuna, conseguiram em determinada circunstância romper com os paradigmas dominantes de uma época, nos permitindo utilizar a História como ferramenta de transformação, uma vez que tais experiências servem de inspiração para a luta anticapitalista em nosso presente.
Por fim, gostaríamos de agradecer ao Alexandre por ter aceito de forma tão solícita nosso convite e ter compartilhado conosco os resultados da sua primorosa pesquisa. Esperamos poder contar com sua presença novamente em nossas atividades caro companheiro!

Notas:
[1] Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e repressão política no Brasil. São Paulo: Imaginário, 2002 e Minha Pátria é o Mundo Inteiro: Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos. Lisboa: Letra Livre, 2009. 
[2] São Paulo: Editora Hedra, 2011. Atualmente o livro está esgotado e aguarda uma nova impressão pela mesma editora. Em virtude disso, o  autor doou um exemplar para a Biblioteca da Universidade Federal de Uberlândia, permitindo com que aqueles que tem interesse pelo tema possam ler o livro.

Referências:

BAKUNIN, M. Textos anarquistas. Porto Alegre: L&PM, 2006.
KROPOTKIN, P. Palavras de um revoltado. São Paulo: Imaginário, 2005. 

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